domingo, 19 de junho de 2016

Texto para trabalhar com Alunos - Temática Desigualdade e Diferença



                
SÍNTESE DO TEXTO: DA DESIGUALDADE DE CLASSE À DESIGUALDADE DE CONHECIMENTO

* Nico Stehr RBCS Vol. 15 no 42 fevereiro/2000

                                  http://www.scielo.br/pdf/rbcsoc/v15n42/1739.pdf
 
 O autor sugere que o conhecimento tem um papel cada vez mais importante na formação da natureza e da estrutura da desigualdade social em nossa sociedade moderna. Ao pensarmos a historia, o conhecimento teve sempre um papel importante na determinação de certos aspectos da desigualdade e em sua avaliação por parte da sociedade. Por exemplo, a capacidade de ler e escrever na língua dominante de uma nação tem tido um papel tão importante nos sistemas de desigualdade quanto outras habilidades culturais o que importa discutir não é apenas como a importância crescente do conhecimento afeta, caso o faça, os padrões de desigualdade social, mas também por que o conhecimento é “capaz” de substituir o que tem sido há séculos.
A respeito das mudanças na estrutura da sociedade, pode-se afirmar que o conhecimento, da desigualdade social, adquiriu nas sociedades modernas uma importância especial para os padrões de tal fenômeno. Pelo menos dois grandes grupos de mudanças societárias podem ser usados como provas da emergência do conhecimento como princípio de estratificação. As condições socioestruturais, e sociopolíticas, que podem ser tomadas como fundamento da emergência do conhecimento como princípio de estratificação diz respeito ao relativo declínio da importância mediata e imediata da economia para os indivíduos e as famílias. Refiro-me à diminuição da subordinação material direta dos indivíduos e das famílias a atividades centradas na economia de mercado, principalmente em relação aos seus papéis ocupacionais e, portanto, de sua dependência do que muitos ainda consideram ser seu papel básico de atores econômicos.
À dinâmica da economia em geral e do mercado de trabalho em particular. A estrutura de direitos coletivos ou agregados nas sociedades modernas depende, é claro, da disponibilidade de emprego remunerado, e a quantidade de trabalho agregado que será disponível e crucial para a sustentação dos direitos sociais no futuro. Ao mesmo tempo, o efeito dos estilos de vida na estrutura da economia se multiplica.
A grande mudança estrutural que acompanha e alimenta o decréscimo da importância da economia é a redução do grau em que a sociedade moderna, relativamente a muitas atividades que enumerarei adiante, perdeu os centros anteriores de autoridade e, portanto, os padrões de conduta exemplares ou rigidamente limitadores. Não obstante tudo o que se possa dizer sobre a expansão da globalização ou da homogeneização, as sociedades modernas não têm mais uns poucos partidos político,  pelo menos nos países em que a legislação eleitoral não desestimula a multiplicação de partidos, nem padrões familiares, sindicatos, estrutura de gênero, religiões, disciplinas científicas, grupos étnicos, estratos sociais, comunidades, cidades, estruturas corporativas coerentes e/ou dominantes.
A relação entre fatores cognitivos e materiais da desigualdade social se inverte: o conhecimento é que comanda o bem-estar material, seus fatores e sua extensão. Mesmo que seja visto como simples meio ou fundamento da desigualdade social na sociedade moderna, o conhecimento deve ser pelo menos conceituado como um instrumento “metanível”, capaz de afetar a aquisição, defesa e controle de meios mais tradicionais de estratificação. De um ponto de vista material, mas não somente dessa perspectiva, o conhecimento deveria ser visto como um recurso que isola e protege os indivíduos e as famílias do impacto imediato dos caprichos do mercado e da coerção. Nas “sociedades do conhecimento”, a desigualdade torna-se um fenômeno social muito menos óbvio, concreto e visível do que na sociedade industrial. A escolha e a definição do conhecimento como uma “variável focal” da desigualdade também indica que seus pré-requisitos e suas consequências práticas tendem a ser, por enquanto, menos definitivos e consensuais do que outras dimensões da desigualdade, como renda, educação e ocupação, e tendem a resultar em estruturas de desigualdade menos firmemente estabelecidas. Como recurso para gerar e manter padrões de desigualdade, o conhecimento é mais tolerante à ambiguidade, ao dissenso, a disputas não resolvidas e padrões essencialmente questionáveis. Por essa razão, trato muito menos dos resultados de processos alocativos, do que da capacidade de se auto afirmar ou de atingir diferentes fins almejados em contextos sociais muito diversificados.
A questão está, então, em saber como essa concepção do conhecimento complementa ou se diferencia das perspectivas recentes sobre a desigualdade social que a entendem como um jogo de representações cognitivas de diferenças sociais e uma luta para dominar os discursos e as estratégias pertinentes às classificações da estratificação. Embora essa abordagem aumente consideravelmente nosso entendimento das muitas facetas atuais da reconstrução de categorias de desigualdade, é provável que esta continue a ser uma visão (funcionalista) que não se preocupa com as condições que capacitam ou com os aspectos constitutivos da desigualdade, mas se restringe aos resultados ou produtos de disputas classificatórias. Concentrar a análise no conhecimento implica voltar o foco para as novas bases da desigualdade.
Trata-se, em primeiro lugar, de saber que possibilidades de lidar com novos tipos de disputas classificatórias são proporcionados pelos recursos cognitivos da ação. E até que ponto esses recursos têm de estar socialmente distribuídos para que esse argumento sobre a desigualdade não se limite a uma elite na sociedade.
A desigualdade social torna-se uma configuração heterogênea e dependente do contexto. A capacidade de pôr em prática mecanismos e medidas de proteção é uma questão de competência especializada, que habilita os atores a mobilizar o acesso a um diferencial de conhecimentos para assegurar, por exemplo, que o patrimônio e os direitos legais de uma pessoa estejam protegidos contra desvalorizações estruturais ou desmesurados.
A capacidade de preparar-se para desafios é um elemento crucial da estratificação baseada no conhecimento. Por exemplo, a faculdade de contestar as práticas dos especialistas, do Estado ou das grandes corporações é um importante atributo do conhecimento como capacidade de constituir desigualdades. Neste mesmo sentido, adquire importância a capacidade de escapar à vigilância e de abrir espaços de autonomia autorregulada, com base no aproveitamento de instrumentos que muitas vezes são vistos como meios de aumentar a fiscalização. A capacidade de exclusão é outro aspecto da estratificação mobilizável a partir de diferentes bases de conhecimento. Estou pensando nas estratégias que permitem distribuir de modo diferenciado certos riscos da sociedade moderna como, por exemplo, nas áreas de segurança, exposição ao conflito ou à violência, incidentes que colocam a saúde em perigo e outras. Pela mesma razão, o enorme crescimento da “economia informal” na maioria dos países de desenvolvimento avançado, isto é, todos os tipos e formas de transações econômicas fora do controle do Estado e do sistema jurídico, a despeito de serem ou não legal, podem ser tomados como uma das consequências da ascensão do conhecimento como princípio de estratificação.
 Em termos mais gerais, a abrangência das competências sociais corresponde a recursos estratificados para ter controle sobre a própria vida; por exemplo, a saúde, a própria situação financeira, a vida pessoal, as aspirações, a carreira, a segurança em longo prazo, ou a capacidade para encontrar e obter ajuda para realizar essas tarefas, são efeitos gerais do controle diferenciado de certas bases relevantes de conhecimento.
A maior parte das teorias sobre a desigualdade social permanece estreitamente relacionada com o processo de produção, sua organização e seus resultados. Além disso, a linguagem usual dessas teorias continua presa a um imaginário em que os agentes aparecem como criaturas inflexíveis, enredadas em estruturas de desigualdade de objetivo único, que impõem seu ritmo a indivíduos ou grupos passivos, muitas vezes por várias gerações. Já que os regimes de desigualdade são interpretados como inflexíveis e em grande parte unidimensionais, a estratificação é considerada abrupta e as consequências das desigualdades materiais são vistas como duradouras; assim, o discurso sobre a desigualdade tende a lidar com a coerção, ou seja, com as restrições, a vulnerabilidade e a efetiva impotência dos indivíduos e grupos perante os poderosos. Mas as novas realidades exigem uma nova linguagem que deveria acentuar a ação, a maleabilidade, a flexibilidade, a múltipla finalidade dos recursos, a volatilidade, a heterogeneidade das estruturas sociais. Cabe também indagar até que ponto os indivíduos e grupos têm poder para usar e transformar essas estruturas, uma vez que se tenha produzido uma significativa redução da vulnerabilidade às forças da desigualdade.
Portando, a condição que possibilita obter bases de ação mais amplas e mais numerosas é o conhecimento, ou seja, um conjunto de competências sociais de acesso mais geral, cujo impacto sobre as estruturas sociais de desigualdade acelera as oportunidades dos atores de reformular as construções sociais.

Autoras: Patrícia Aparecida de Almeida e Natacha Andrade Barboza

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