domingo, 22 de maio de 2016

FOXCONN: a indústria da desesperança

 
Sr. Yuan, operário da mega-empresa Foxconn na cidade de Shenzhen, China, mora em um pequeno apartamento, localizado a 20 minutos a pé da fábrica onde trabalha. Ao chegar ao local de trabalho faz uma refeição rápida na cantina da própria empresa para então, iniciar sua jornada noturna às 19:30. Sua tarefa consiste em produzir junto à sua linha de montagem, 1.600 discos rígidos - cota diária de sua oficina, bem como, em garantir a perfeição de cada peça. Sentado no meio da linha de montagem Yuan executa movimentos rápidos que se repetem infinitamente: em cada disco rígido que passa na esteira à sua frente ele introduz dois chips, um dispositivo luminoso e aperta quatro parafusos com uma chave de fenda elétrica, tendo menos de um minuto para cumprir a operação.

Segundo Yuan, trabalhar em uma empresa conhecida por sua fabricação de precisão e seu estilo militar não é fácil, visto que, na linha não há movimentos desperdiçados, eles foram analisados e testados com um cronômetro, conta o operário. Se você fizer a mesma coisa durante todo o dia você se torna insensível, complementa.

As 22:30 há uma pausa para refeição, subsidiada pela própria cantina no interior da empresa, para que seus operários não percam tempo saindo dos limites do ambiente trabalho. Uma hora depois Yuan retorna à linha de montagem. Legalmente, ele encerraria seu turno às 04:30 da madrugada, porém, o regular na Foxconn é começar o turno de “horas extras”, que o faz estender sua jornada até às 08:00. Conta o operário que muitas vezes eles trabalham em sua linha de montagem até 70 horas por semana ao invés das 36h permitidas, pois chegam grandes encomendas que os fazem continuar até conseguirem cumprir a “cota extra” exigida. Ao final do mês Yuan recebe, incluindo as horas extras realizadas, um total de 235 dólares. Yuan nos conta que não pretende ser operário por muito tempo. Vislumbra em seu horizonte futuro conseguir juntar algumas economias e, assim, abrir seu próprio negócio no ramo hoteleiro. Uma contradição profunda na vida de Yuan está lançada: como manter a esperança dentro de uma empresa produtora em larga escala de desespero e desilusão? Como persistir em seu sonho tendo que se submeter à cadências e condições de trabalho desumanisantes? Yuan realizará seu sonho ou a invalidez, o esgotamento, a demissão ou até mesmo o suicídio, chegarão primeiro? Ter que aceitar o humanamente inaceitável para alcançar o futuro humanamente desejável coloca Yuan em uma profunda e constante tensão.

A Foxconn, de propriedade do grupo Hon Hai de Taiwan, é uma das maiores fabricantes de componentes de informática do mundo e fornecedora das marcas Apple, Dell e Hewlett-Packard, entre muitas outras. Desde 2006, quando o jornal britânico The mail on Sunday publica uma reportagem sobre a usina da Foxconn de Longhua (China) denunciando jornadas de trabalho de mais de 15 horas diárias realizadas emcondições militares, a empresa vem sendo objeto de denúncias por desumanidades aos seus trabalhadores .

Entre 2007 e 2010 ocorre uma “onda de suicídios”nas empresas do grupo sitiadas em Shenzhen (China continental). A Foxconn Technology é então força a anunciar ao mundo 18 tentativas de suicídios donde 14 dentre essas encontraram a morte. Porém, uma enquete realizada por jornalistas chineses que entrevistaram clandestinamente operários e executivos da empresa, revelou que o total de mortos passaria de 250. Um desses repórteres, Jack Qiu, contou, somente em cinco meses de enquete clandestina, mais de 50 tentativas de suicídio. Um operário que trabalhou durante 15 anos na Foxconn de Shenzhen, confia a Jack Qiu que os trabalhadores das linhas de montangem estavam expostos cotidianamente e sem nenhuma proteção à substâncias tóxicas (entre elas, níquel e gases tóxicos) e muitos deles exigidos a trabalhar na clandestinidade para, desse modo, não aparecer nas estatísticas oficiais da empresa.

Um exemplo desta “política de terror” utilizada pela Foxconn em total cumplicidade com o Estado, foi o caso de Sun Danyong, um operário que cometeu suicídio após ter sido responsabilizado pelo roubo de um “protótipo” de I-phone 4. Possivelmente preocupado com a espionagem industrial a empresa agiu depressa, fazendo justiça por conta própria. Segundo um amigo, Sun Danyong foi agredido por um chefe de segurança da empresa, sua casa foi totalmente vasculhada e sua esposa foi também agredida e ameaça caso não entregasse o protótipo roubado. Nada foi encontrado. E, apesar de haver registrado a ocorrência junto as autoridades locais e se declarar inocente, Sun Danyong acabou por descobrir que a Foxconn tinha total liberdade de resolver esse tipo de coisas à sua maneira sem preocupações com possíveis processos judiciários por parte do Estado.

Em setembro de 2010, um grupo de pesquisadores chineses publica um estudo assustador sobre as empresas da Foxconn na China: tendo entrevistado 1800 operários em nove cidades diferentes, os pesquisadores descrevem a empresa como um “campo de trabalho forçado”. Realizando em média 83,2 horas por semana de trabalho, 13% dos entrevistados relatam já terem desmaiado por exaustão em plena linha de montagem, 28% contam que sofriam assédio moral regularmente e 16% relatam haver recebido punições físicas. E como medida “anti-suicida” a Foxconn termina por colocar “redes” embaixo das janelas para evitar que o operário desesperado não encontre a morte por defenestração.

Em 2011, apesar de todas as denúncias, dos escândalos, da pressão mundial e da própria empresa haver anunciado medidas para melhorar seus salários e suas condições de trabalho, ao que parece, nada mudou efetivamente. Um estudo realizado em setembro de 2011 pelo China Labor Watch registra que a empresa carrega a marca de ser aquela com o índice mais alto do mundo de suicídio e morte por acidente de trabalho de seus assalariados. E, confirmando a continuidade desse quadro catastrófico, relatos das autoridades locais denunciam que entre janeiro e maio de 2012, 37 funcionários do grupo Foxconn encontraram a morte por acidente de trabalho. A medida tomada pela empresa para evitar que tais atrocidades continuassem a ocorrer, seguiu na mesma linha das redes de proteção fixadas embaixo das janelas: a Foxconn passou a incluir uma nova cláusula no contrato de trabalho de seus novos funcionários, interditando que os mesmos processassem judicialmente a empresa caso fossem vítimas de acidente de trabalho ou de intoxicação por produtos químicos.

Em outubro de 2012, em razão da enorme falta existente no mercado do I-Phone 5 da Aplle, as cadências exigidas pela Foxconn à seus operários nas linhas de montagem atingem um nível sem precedentes. Segundo relato do China Labor Watch,cada linha de montagem do I-Phone 5 composta por 87 operários, passou a produzir não mais os 3000 produtos\dia mas 6500. Junto a essa frenética corrida para atender um mercado mundial ávido de consumo, seguiu-se, conforme denúncias de um jornalista doShanghai Evening Post, o aumento das humilhações já comuns no ambiente de trabalho militar da Foxconn.

No entanto, a mentalidade empresarial não parece nem um pouco tocada por tamanha tragédia humana. Ao ser questionado por um jornalista sobre a aumento das cadências devido a robotização das linhas de montagem dos I-Phones, o Sr. M. Wang, alto executivo da empresa não hesita em expressar com orgulho o grande feito produtivo: “os robôs vão verdadeiramente permitir a Foxconn de acelerar suas cadências para responder a demanda ocidental mas também a asiática de I-Phone que só aumenta (…) nós nos tornamos, a partir de agora, uma das empresas tecnológicas mais potentes e mais competentes da terra”.

Considerando o orgulho e o entusiasmo fanático do Sr. Wang pelo aumento desumanizante da produtividade, é de se supor, infelizmente, que o futuro sonhado pelo operário Yuan, venha a ser moído pelas novas cadências, esmagado pelas humilhações sofridas, intoxicado pelo ar poluído e, ainda, impedido de encontrar repouso no suicídio em função das "redes protetoras".

Este artigo esta baseado nas informações contidas nos seguintes sites:

ATIVIDADE:

Em duplas os alunos desenvolverão um texto analítico expondo suas impressões sobre o trabalho na sociedade contemporânea relacionando a matéria acima com os conceitos apreendidos em sala:

  • as transformações do trabalho ao longo do tempo;
  • técnicas de trabalho;
  • o trabalho na sociedade brasileira contemporânea

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